A terceira função do medo é ser estimulante. Um dia, fui ao Playcenter com os meus filhos, e o mais velho quis brincar naquela roda que gira, gira, você fica grudado na parede e depois a roda começa a girar na vertical. Entramos na fila, aquela agitação, e o menino, assustado, me perguntou: "Você está com medo, pai?". Eu disse que não, ele quis saber por quê, e eu respondi: "Porque a força centrífuga é maior que a força da gravidade, e eu vou grudar na parede". Então meu filho observou:
"Pô, pai, se você me desse um pouco da sua tranquilidade e eu desse um pouco do meu medo, você ia se divertir muito mais".
É isso: sem o estímulo que o medo dá, a vida perde a graça.
Um outro exemplo é o do técnico de atletismo que queria descobrir por que alguns atletas de ponta erravam o tiro de partida e perdiam a prova, ou então ganhavam a prova mas não batiam o recorde. Ele aplicou então testes para medir a relação entre o desafio e a habilidade do indivíduo. E chegou à seguinte conclusão: se o indivíduo tiver um grande desafio e pouca habilidade, ele entra em estado de ansiedade.
O que é ter um grande desafio e pouca habilidade? É o caso do indivíduo que é tão bom médico que o colocam para ser diretor do hospital. Mas ele não tem a mínima competência para dirigir pessoas, ele só é bom médico. Quando é colocado no seu ponto de incompetência, ele entra em estado de ansiedade porque tem um desafio maior que a sua habilidade. Ou o caso do indivíduo que é competente, mas não tem equipe nem infraestrutura. Ou tem tudo isso, mas o prazo para a execução da tarefa é insuficiente. O resultado será uma grande ansiedade. E a continuação de uma situação como essa se chama estresse.
Em compensação, se você tiver uma enorme habilidade e um desafio menor, você cai no desinteresse. É o caso do indivíduo subaproveitado. E existe uma faixa, chamada "faixa de fuir", na qual há o mesmo nível de habilidade e desafio. Nesse caso, você trabalha com prazer. Mas, se você aumenta a sua habilidade, tem de aumentar o desafio, senão cai no desinteresse.
Esta é a função estimulante do medo: o desafio. O pôquer é um jogo altamente estimulante no qual você pode usar a inteligência. Já imaginou jogar pôquer olhando as cartas dos adversários? Você ganharia todas as partidas, mas não iria mais querer jogar. O jogo ficaria chato. O gostoso no jogo de pôquer é a possibilidade de perder. O medo é que faz o jogo ser interessante.
Alguns anos atrás, eu vi na televisão um filme muito bom. Era sobre um assaltante que durante o assalto levava uns tiros e morria. Quando acordava, a seu lado estava um senhor muito bem-vestido que o informava de sua morte. O assaltante entrava em pânico, mas era obrigado a acompanhar o homem. Eles chegavam, então, a um castelo muito bonito.
O assaltante nunca tinha visto nada assim. No castelo havia comida e bebida à vontade e mesas de jogos. Tudo se recompunha. Ele se servia de um vinho maravilhoso, e a garrafa ficava cheia novamente. Adorava jogar sinuca. Nunca mais errou uma bola. Ele achava estranho, mas, como era malandro, ficava quieto. Passou lá uma temporada, curtiu muito, mas depois de um tempo começou a se sentir sozinho e chateado. Então, o senhor elegante apareceu de novo e perguntou:
- Você está sentindo falta de companhia?
O assaltante confirmou. Na mesma hora apareceram cinco mulheres muito bonitas. Ele perguntou:
Posso escolher?
Pode ficar com as cinco.
As mulheres eram absolutamente fantásticas. Satisfaziam todos os seus desejos. Nenhuma frustração. Mas o tempo passava e ele se sentiu entediado outra vez. E pediu ao seu protetor:
Gostaria de voltar à Terra pelo menos por um dia.
Para fazer o quê?
A única coisa que sei e gosto de fazer: assaltar um banco.
O homem concordou, e ele voltou à Terra. Dirigiu-se a um banco. Puxou o revólver, e o segurança puxou o chapéu e o cumprimentou. Dirigiu-se ao caixa, que o aguardava com uma maleta recheada de dinheiro. Ele nem pegou. Saiu do banco e encontrou seu protetor.
- Sabe, eu tive uma vida desgraçada, fui um bandido, quero ir para o inferno.
E o homem elegante responde:
- E onde você pensa que está? Você está no inferno.
Inferno é um lugar onde não existem riscos.
Se você consegue montar uma vida sem riscos, você montou um inferno, porque só há desinteresse, tédio, depressão. É uma vida na qual não há desafios a vencer. Por outro lado, se você montar uma vida de riscos, que o paralisa, você entra em estresse. O que a gente tem de fazer é conseguir que o desafio seja correspondente à nossa capacidade. Se aumentou a capacidade, tem de aumentar o desafio. Aí a vida fica apaixonante.
O medo é o sal da vida. Mas nós vivemos numa cultura que ensina que devemos ser muito prudentes. Então, montamos uma vida em que não há medo. Resultado: fica tudo um tédio, e a gente sai em busca do medo. Como? Jogando pôquer, indo ao cinema para assistir a filmes de terror, ao circo para ver se o trapezista cai, à tourada para torcer pelo touro, à corrida para ver se acontece um acidente.
Existe essa relação desafio-habilidade também nos relacionamentos afetivos. O namoro, período de conquistas, corresponde a grande desafio e pouca habilidade. O medo da perda, a preocupação e os cuidados com o outro, a taquicardia nos encontros, tudo altamente excitante.
Após algum tempo de casamento, estamos no extremo oposto do gráfico: muita habilidade e pouco desafio. Desinteresse. Tédio. Nenhuma emoção acompanha os encontros. Rotina? Não. Ausência de medo. A "faixa do fluir" é desejável. É viável. Manter viva a chama do amor. Função do medo.
Serei sempre estimulante para o outro se isso for sempre um desafio. Se permanecer o medo de perder, que estimula cuidados, atenções, taquicardias.
Se o outro também for para mim alguém que eu posso perder, teremos encontrado a fórmula da conservação do amor. Função do medo. A entrega total, sem limites, sem riscos, leva ao desinteresse. O medo é o sal da vida.
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