A maior parte das pessoas passa a vida toda sem conhecer as leis secretas que existem em seu inconsciente. Um grande número também não consegue flexibilizar seus papéis e não resiste à tentação de se apoiar na imagem. Essa pessoa que tem conflitos conscientes e inconscientes desconhecidos por ela chega à vida adulta e conhece um outro ser humano também cheio de conflitos. E eles se apaixonam.
Vamos supor que o ser humano homem, em função de seu temperamento e de um processo educacional determinado, tenha se transformado em alguém que é mais impulso que norma. O outro ser humano, uma mulher, pelas mesmas razões de temperamento e educação, transformou-se em alguém que é mais norma do que impulso. Que tipo de relacionamento eles vão ter? Vão montar uma unidade na qual o homem vai ser o impulso do casal, e a mulher, a norma do casal. E os dois se transformam numa pessoa só.
Parece tão bonito que até a Igreja propõe que eles sejam dois em um. Encontrar a outra metade da laranja. Mas o que acontece é uma patologia terrível. Por quê? Porque ele vai encontrar nela um meio de controlar seus impulsos. Ela será seu freio de mão, seu grilo falante. A mulher, por sua vez, vai viver no homem um impulso que ela reprime nela, que ela aprendeu que deve ser condenado. Mas como não pode viver sem o impulso - porque ele é natural -, ela vai vivê-lo no seu parceiro.
Como? Suponha que João é um homem cheio de planos, não conhece limites, vive a mil, é irresponsável e inconsequente, uma verdadeira cigarra. João conhece Maria, uma moça responsável, honesta, cumpridora de seus compromissos, uma formiga trabalhadora. Eles se apaixonam. O fato de João ser um acelerador, alguém que vive seus impulsos sem pensar muito, foi o que conquistou o coração de Maria. Ela admira o fato de ele não sentir medo. O fato de Maria ser extremamente responsável foi o que conquistou o coração de João. Ocorre, no entanto, que ambos vão viver no outro o que condenam em si. Por isso, depois do casamento, Maria começa a brigar para que João deixe de ser um acelerador, beba menos, trabalhe um pouco, não estoure com tanta frequência a conta no banco. João briga para que Maria deixe de ser o freio, deixe de ser a estraga-prazeres.
O casamento simbiótico é como encontrar a metade da laranja. É desistir de ser inteiro para virar uma pessoa feita de duas. Um precisa do outro para reequilibrar o seu móbile. O acelerador precisa do freio senão se perde, entra em síndrome de pânico. E o freio precisa do acelerador para que a vida tenha algum sabor, não seja feita só de responsabilidades.
A única saída é trabalhar exatamente aquelas características que você condena em si mesmo e que vê no outro. Nas cigarras, por exemplo, a gente deve trabalhar a norma para que a pessoa aprenda a tomar conta de si. Nas formigas, deve-se trabalhar o impulso.
Sem isso, o que acontece nesse casamento simbiótico?
Primeiro, é uma situação profundamente infeliz. A mulher detesta o marido porque ele diz e faz coisas que ela condena. O marido detesta a mulher porque ela é um peso. A tragédia, no entanto, é que eles não podem se separar porque um precisa do outro. A separação é uma dor terrível, parece que cada um perde um pedaço de si mesmo. Uma vez, um paciente definiu isso muito bem. Ele disse que morria de dor por ter perdido uma coisa que ele não queria.
Além de dolorosa, a separação é inútil. Por quê? Porque o cidadão fica dois ou três meses sozinho, e então, começa de novo a correr atrás de outro freio. Ele troca o CIC e o RG da mulher, mas se casa novamente com uma pessoa com as mesmas características.
Na maioria dos casos, em vez de se separar, o casal simbiótico acaba sustentando o seu relacionamento por meio da relação extraconjugal. O casamento fica tão ruim que é preciso arranjar um ladrão para a caixa-d'água não transbordar. A função do amante é manter o casamento. Às vezes, acontece de a paixão pelo outro desestruturar o casamento. Então, a paixão só serviu de motor de arranque. O casamento já estava acabado. Você se apaixona e aí cria coragem para desestruturar o que já estava desestruturado, em vez de ficar mantendo o ladrão da caixa-dágua. Só que aí você enfrenta o objeto da sua paixão, e a paixão vai terminar também, porque o problema fundamental, o seu problema com você, não foi resolvido.
A maior parte das pessoas tem seu desajuste na área pessoal, e não na profissional, porque no campo profissional os limites já estão estabelecidos. Vou trabalhar numa empresa e, quando chego, ja existe um procedimento a seguir. Nos relacionamentos familiares, a norma não está escrita; a gente tem de estabelecer a norma através do diálogo, e isso é muito complicado, tão complicado que todo mundo diz que a happy hour é para relaxar depois do trabalho. Mentira! O trabalho é que é o repouso do guerreiro. A gente toma um aperitivo depois do expediente para poder enfrentar o dragão que é a vida familiar
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